Em 1920 o filosofo judeu alemão Walter Benjamin publicou um ensaio intitulado Para uma Crítica da Violência, onde o termo alemão por “violência”, Gewalt, pode significar também “poder”. Temos então já no próprio título uma indicação da maneira segundo a qual será tratado o objeto do ensaio: violência enquanto poder e poder enquanto violência.
De certa forma, podemos afirmar que a própria tese do ensaio estaria já nitidamente delineada no próprio título. Mas sigamos a ordem do raciocínio benjaminiano. O filosofo inicia a sua exposição especificando que se trata de considerar a violência enquanto agente moral, isto é, enquanto causa que incide efetivamente sobre a esfera das relações de ordem moral, inclusive as relações jurídicas.
Meios e fins
No que tange ao direito, isto é, no que tange às relações entre meios e fins, a violência deve ser situada no domínio dos meios. Aqui surge já uma primeira dificuldade teórica para Benjamin: na relação entre os meios e os fins, mesmo que existisse um critério para discernir os fins “justos” dos fins “injustos”, persistiria o problema de saber se existe um critério para estabelecer se os próprios meios violentos seriam morais ou não- em outras palavras, faltaria um critério para determinar se e quando a violência for moral em si.
Por conseguinte, o filosofo alemão empreende uma análise do próprio âmbito dos meios, seguindo as teorizações das duas matrizes filosóficas principais do direito: o jusnaturalismo e o direito positivo.
Direito Natural e Direito Positivo
Para o primeiro a legitimação da violência enquanto meio decorre dos fins justos, sendo o critério apto a definir estes últimos o da autoconservação do Estado: na medida em que os direitos naturais dos indivíduos, primeiramente o de manter-se na própria existência, são transferidos ao Estado, esse último poderá se servir “naturalmente” da violência para se manter enquanto Estado, exatamente da mesma maneira que um indivíduo.
Evidentemente, esta confusão entre fins naturais e fins estaduais em nada ajuda Benjamin em rastrear um critério que lhe permita identificar meios violentos em si juridicamente legítimos: para o jusnaturalismo todos o são, desde que satisfaçam à conservação do Estado. Benjamin aborda então a teoria do direito positivo.
Este último distingue entre meios legítimos e meios ilegítimos, segundo uma determinação estritamente histórica: se um determinado poder foi suficientemente forte para se constituir enquanto tal e, como tal, enquanto direito também, então os meios violentos que foram utilizados para instalar esse poder resultarão legitimados.
O círculo vicioso de violência, poder e direito
Mais uma vez, a conceptualização da relação entre meios e fins não pode satisfazer a pesquisa benjaminiana: o que acabamos de observar a propósito da legitimação da violência no direito positivo é um clássico caso de círculo vicioso, pois a licitude dos meios, sob a ótica do direito, só se revela após o fim ter se realizado, isto é: só após o poder ter se instaurado.
Contudo, o direito positivo permite vislumbrar o próprio princípio do Direito: este último se identifica com o próprio Poder, já que cada poder se constitui também enquanto direito, e nenhum direito é tal fora do poder.
Por isto o poder constituído, que enquanto direito detém o monopólio da violência legitima, isto é, da violência legal, não pode permitir que outros fins, externos à esfera estadual, sejam perseguidos e alcançados por meio da violência, pois quaisquer meios violentos que não pertençam ao Estado poderiam levar a cabo um novo poder e, portanto, um novo direito.
Violência mítica e violência não violenta
Esta estrutura circular violência-derrubada de um poder constituído-novo poder-novo direito-violência é, para Benjamin, a própria estrutura do mito. O mito é caracterizado justamente pelo eterno retorno do sempre igual (Nietzsche), de maneira tal que até uma revolução, que tenha por objetivo instaurar um novo poder, pode não proporcionar nada de verdadeiramente novo.
Eis delinear-se a solução do mistério da violência enquanto meio para Benjamin: se enquanto meio direcionado para um fim, a violência é fadada a repetir um círculo, há de se encontrar um outro tipo de violência que seja meio puro, sem fins. Já que a violência finalizada é a própria do mito, para Benjamin uma violência capaz de desativar, neutralizar o círculo mítico é a violência divina, pois o Deus judaico é o que propriamente se opõe ao mito em todos os seus aspectos. Violência não violenta, ela poderá interromper o círculo e introduzir a verdadeira novidade na história.
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