Uns dizem que todos filosofam, outros que o filosofar é algo profundo, cheio de sutilezas metafísicas. Alguns defendem que sempre estamos a filosofar, que se pensamos logo filosofamos, outros que a filosofia já está morta, que o que temos em nossa cabeça é a mera vontade individual, o desejo incessante da autoafirmação. Todos pensamos, parece ser consenso. Não está decidido, entretanto, se isso faz de nós filósofos.
Penso logo humano?
Por mais irônico que isso possa parecer: pensamos. Todos nós pensamos. Você que me lê, o Zé da padaria, a criança chinesa, a paraquedista australiana – todos pensam. Todos são sujeitos conscientes, que possuem algo em suas cabeças que os diferenciam de todos os outros animais. Pensamos, portanto, que o pensar é por excelência a característica específica humana: penso logo humano.
Sabemos que pensamos. Paramos e olhamos para nós mesmos, repentinamente concluímos que existimos. Recordemos: penso logo existo. O pensar faz de mim ser existente, a imaginação, por outro lado, afirma algo fora de minha cabeça. Estranhamente concluo que não estou só, há também o meu outro, meu semelhante. A existência é compartilhada, pois o pensar também o é.
Existimos, pensamos, somos. Então há mais que pensamentos: existem corpos que envolvem o Eu inicial. No início, éramos o Logos, agora somos deuses e como deuses somos o Logos que cria um mundo de deuses: da cabeça delirante de Zeus nasce Atena, que com sua inteligência e armas põe-se de pé sobre a terra. Com armas reais os deuses revelam-se humanos, demasiadamente humanos. Apaixonados afirmam suas próprias vontades e fazem de tudo meio para sua própria realização.
Penso logo filosofo?
A cabeça filosofante continua a existir junto do corpo faminto. O corpo real que come, bebe e dá à luz existe no tempo e no espaço. Nada mais moderno que a igualdade, até na diferença nos afirmamos como iguais. Não sem razão o pensar é visto como próprio a todos. Não há preconceito de qualquer espécie, há apenas o desejo violento e real de se auto realizar. A fome do corpo mistura-se com a fome do espírito, o pensar é reduzido ao impulso mais animalesco, o homem parece apenas desejar.
O homem que produz chapéus é, por hora, poderoso. Senhor das máquinas afirma-se como um deus engenhoso que possui no bolso o deus dos deuses. Sua ambição e poder transforma tudo em chapéus. Os homens que não lhe colocam resistência são transformados em coisas, em meros objetos de consumo. As cabeças ornadas continuam a existir sem chapéus, algumas chegam até mesmo a transformar os chapéus em ideias.
A desnuda cabeça filosofante responde também aos seus íntimos desejos. Senhora das ideias afirma-se como um deus engenhoso do pensar. Sem o deus dos deuses no bolso faz dos cem táleres apenas uma ideia, sem sapatos e sabendo-se incapaz de os produzir cobre seus pés descalços com ideias.
Ao pobre filósofo resta assim, como antes, afirma-se como único. Não pode se igualar a ponto de desaparecer. Seu filosofar, por mais próximo que esteja de todos os outros pensamentos deve ser único. Consola-se, pois, imaginando-se um artífice das ideias, um sapateiro da imaginação:
"De fato, se alguém tem olhos e dedos e recebe o couro e instrumentos, nem por isso está em condições de fazer sapatos. Ao contrário, no que toca à filosofia, domina hoje o preconceito de que qualquer um sabe imediatamente filosofar e julgar a filosofia, pois tem para tanto padrão de medida na sua razão natural – como se não tivesse também em seu pé a medida do sapato."
Você sabe qual filósofo acreditava que existiam homens na lua? O que você acredita ser preciso para filosofar? Comente!
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